fonte: Folha de SP
por Cláudia Collucci
E as delações premiadas chegaram à saúde. Na semana passada, o doleiro Lúcio Funaro, operador de propina para políticos do PMDB, revelou ao Ministério Público Federal que o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso em Curitiba, cobrou propina da operadora de planos Amil e da Rede D´Or para aprovar emenda a uma Medida Provisória que permite a participação de capital estrangeiro na saúde.
Com a MP 656/2014 e posterior Lei 13.097/2015, foi criada a possibilidade de investimentos estrangeiros, majoritários ou não, para hospitais, laboratórios médicos e planos de saúde, o que era vetado pela Constituição e pela Lei Orgânica da Saúde. Ao jornal “O Globo”, as empresas citadas negaram irregularidades.
Diante da notícia, a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e outras entidades da saúde e da sociedade civil estão pedindo a nulidade da lei. Argumentam que há vício na sua origem e pedem que o STF (Supremo Tribunal Federal) analisa a sua inconstitucionalidade.
Aprovada no apagar das luzes de 2014, a MP 656, quando enviada ao Congresso, tinha como tema principal créditos e incentivos tributários. A autorização para a atuação do capital estrangeiro na saúde veio como um “penduricalho”, um “contrabando legislativo”, ou seja, um objeto desconexo do texto original. Esse tipo de prática é vetado pelo STF.
Além do “contrabando”, a Abrasco entende que não foi caracterizado o requisito constitucional básico de urgência, necessário para a submissão e aprovação de uma MP. E, como avacalhação pouca é bobagem, o autor da emenda é um deputado do PMDB que teve campanha eleitoral financiada por empresa de plano de saúde.
Não é de hoje que as entidades da saúde alertam sobre os interesses e lobbies de planos de saúde e hospitais privados nesse campo da ampliação do capital estrangeiro no setor. Para elas, essa abertura irrestrita representa mais um passo rumo à privatização da saúde e ao desmonte do SUS.
Mas até agora os defensores do SUS têm sido voto vencido. Com o aval do Ministério da Saúde, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) sancionou a lei. Em 2015, o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), com participação de entidades da saúde, acionou o STF com a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5435. A relatora da ação no STF, ministra Rosa Weber, aplicou ao caso o rito abreviado, medida que faz com que a ação seja julgada pelo plenário do STF diretamente no mérito.
Agora, diante dessa denúncia de que a lei pode ter sido “comprada”, a Abrasco defende rigorosa investigação sobre eventuais envolvimentos, tanto de empresas da saúde quanto de agentes públicos do Legislativo e do Executivo.Também apela à ministra Rosa Weber que considere as novas circunstâncias como elemento para a aplicação da inconstitucionalidade e nulidade da lei.
Com tanto chumbo grosso nas últimas semanas, essa denúncia do Funaro sobre a “compra” da lei do capital estrangeiro na saúde não recebeu muita atenção. Mas deveria. Essa mudança na legislação tem gerado muitos investimentos no setor de hospitais privados mesmo em cenário de crise econômica. Só as fusões e aquisições no segmento devem movimentar cerca de R$ 5 bilhões em 2017 e 2018. Até para que haja segurança aos investidores, é urgente que a denúncia seja apurada. Há muito a ser investigado nessa caixa preta da saúde.